Exame de sangue detecta Alzheimer com mais de 90% de precisão
Um exame de sangue desenvolvido pela empresa norte-americana Quanterix e testado em pacientes brasileiros mostrou alta capacidade de identificar alterações cerebrais associadas ao Alzheimer, com mais de 90% de precisão.
O estudo foi conduzido por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e apoiado pelo Instituto Serrapilheira. Os resultados representam um passo importante na validação de ferramentas que possam auxiliar o diagnóstico clínico da doença, dentro do que especialistas chamam de diagnóstico assistido por biomarcadores — quando exames laboratoriais são usados como complemento à avaliação médica.
“Atualmente, o diagnóstico do Alzheimer é feito, na maior parte das vezes, com base em avaliação clínica”, explica o neurocientista Eduardo Zimmer, professor da UFRGS e líder do ZimmerLab.
“Em alguns casos, são utilizados exames complementares — como o PET-CT ou a análise de líquor —, mas eles são caros e pouco acessíveis. O exame de sangue pode se tornar uma ferramenta de apoio, tornando esse diagnóstico mais preciso e democrático.”
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O que o estudo mostrou
A pesquisa avaliou 59 pacientes atendidos no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, comparando os resultados do exame de sangue com o chamado “padrão ouro”, o exame de líquor.
Os testes indicaram que a proteína p-tau217, medida no plasma, foi capaz de distinguir indivíduos com e sem Alzheimer com acurácia entre 94% e 96% — desempenho equivalente ao dos exames invasivos e muito mais caros.
“O exame acerta praticamente todas as vezes se o indivíduo tem Alzheimer ou não”, diz Zimmer. “Ele pode facilitar o diagnóstico assistido por biomarcadores, especialmente em locais onde o acesso a exames de imagem é limitado.”
Publicado na revista Molecular Psychiatry, o estudo se destaca também por incluir pacientes brasileiros de baixa escolaridade, um grupo frequentemente negligenciado em pesquisas internacionais.
“Testamos a ferramenta em uma população diversa, e ela funcionou muito bem”, resume Zimmer.
Diferença em relação aos exames atuais
O diagnóstico clínico do Alzheimer é feito principalmente com base em sintomas, histórico médico e testes cognitivos.
Em alguns casos, médicos solicitam exames que detectam as proteínas envolvidas na doença — como a beta-amiloide e a tau —, mas esses métodos ainda são restritos a grandes centros e têm custo elevado.
O PET-CT cerebral, por exemplo, pode chegar a R$ 10 mil, enquanto o exame de líquor exige punção lombar e equipe especializada. Nenhum dos dois está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS).
O exame de sangue, por outro lado, usa apenas uma amostra simples de plasma e equipamentos ultra-sensíveis, capazes de detectar quantidades mínimas da proteína tau. O custo estimado é cerca de dez vezes menor do que o dos exames de imagem.
“O método não substitui a avaliação clínica, mas pode funcionar como uma ferramenta complementar — acessível e precisa — para apoiar o diagnóstico”, afirma Zimmer.
🧪 Próximas fases da pesquisa
O grupo da UFRGS lidera agora a Iniciativa Brasileira de Biomarcadores para Doenças Neurodegenerativas (IB-BioNeuro), que pretende testar a tecnologia em larga escala no país.
O projeto vai avaliar 3 mil voluntários em dez cidades do Rio Grande do Sul, com investimento de cerca de R$ 20 milhões, financiado por diferentes órgãos públicos: a Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) — empresa pública que apoia pesquisa e inovação — e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), principal fundo federal de fomento à ciência.
A previsão é que o estudo dure 24 meses. Só depois será possível avaliar se o exame mantém o mesmo desempenho em larga escala e se poderá, futuramente, ser encaminhado para análise da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
“Nosso objetivo agora é validar a tecnologia no contexto brasileiro”, diz Zimmer. “Se ela mantiver o desempenho, o país pode se tornar referência mundial em diagnóstico acessível para doenças neurodegenerativas.”
Educação também protege o cérebro
Um segundo estudo coordenado por Zimmer, publicado em fevereiro de 2025 na revista The Lancet Global Health, reforça que educação e saúde mental são fatores biológicos decisivos para a proteção do cérebro.
A pesquisa avaliou 41 mil pessoas de cinco países latino-americanos e concluiu que fatores sociais e de estilo de vida pesam mais para o envelhecimento cerebral do que idade ou sexo.
No Brasil, a falta de acesso à educação formal apareceu como o principal fator de risco para o declínio cognitivo. Quanto menor o tempo de escolaridade, mais rápido o cérebro perde conexões e funções ligadas à memória e à atenção.
“Aprender é como treinar o cérebro”, explica Zimmer. “Quanto mais conexões o cérebro cria ao longo da vida, mais resistente ele se torna às doenças neurodegenerativas.”
O estudo também destacou o impacto da saúde mental e do sedentarismo. Indivíduos com depressão, isolamento social ou baixa atividade física tendem a apresentar envelhecimento cerebral mais precoce, o que reforça a necessidade de políticas públicas voltadas à prevenção e à equidade educacional.
O que pode mudar no futuro
Se confirmada em larga escala, a utilização de biomarcadores sanguíneos poderá:
Apoiar o diagnóstico precoce com um exame simples de sangue.
Facilitar o acompanhamento clínico e o controle de fatores de risco, como hipertensão e diabetes.
Ampliar o acesso a tecnologias de ponta em países de renda média, como o Brasil.
“Estamos dando os primeiros passos de uma transformação profunda”, conclui Zimmer. “Um exame de sangue que revele a saúde do cérebro pode mudar não só a medicina, mas também a forma como envelhecemos.”
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