
Enxaqueca foi o tema do Saúde em Dia
A Organização Mundial da Saúde (OMS) acendeu um sinal de alerta global: os distúrbios neurológicos — que incluem AVC, Alzheimer, enxaqueca, epilepsia e autismo — já são a principal causa de incapacidade no planeta, à frente do câncer e das doenças cardiovasculares.
Segundo o novo Global Status Report on Neurology, publicado em outubro, mais de 3,4 bilhões de pessoas vivem com alguma condição que afeta o cérebro ou o sistema nervoso — o equivalente a quase metade da população mundial.
Mas afinal, por que essas doenças são tão incapacitantes?
Porque o cérebro comanda tudo: a fala, a memória, os movimentos, as emoções e o equilíbrio do corpo. Quando ele ou a medula espinhal sofrem lesões, inflamações ou degenerações, o impacto se espalha para todos os sistemas.
“É uma crise silenciosa de saúde pública global, e o Brasil reflete esse cenário de forma muito evidente”, afirma a neurologista Maramélia Miranda, presidente da Sociedade Brasileira do AVC e coordenadora do Departamento de Doenças Cerebrovasculares da Academia Brasileira de Neurologia (ABN).
O alerta da OMS
O relatório faz parte do Plano Global Intersetorial para Epilepsia e Outros Distúrbios Neurológicos (IGAP), que propõe metas até 2031 para reduzir o impacto dessas doenças e combater o estigma associado a elas.
A OMS estima que 40% da população mundial conviva com alguma condição neurológica e que 80% dos casos ocorram em países de baixa e média renda — justamente onde há menos acesso a diagnóstico e tratamento.
Entre os dez distúrbios que mais causam incapacidade estão:
AVC,
enxaqueca,
doença de Alzheimer e outras demências,
neuropatia diabética,
epilepsia,
e transtornos do espectro autista.
Ao menos uma vez por semana, 1,8 milhão de pessoas têm enxaqueca – GNews
Reprodução/GloboNews
O cenário das doenças neurológicas no Brasil
No Brasil, o AVC é a principal causa de incapacidade e a segunda de morte. Desde 2019, voltou a superar o infarto como a principal causa de mortalidade cardiovascular — movimento oposto ao observado em países desenvolvidos.
“Aqui, o impacto é maior porque temos mais fatores de risco e menos acesso ao controle adequado da hipertensão, diabetes e colesterol”, explica Maramélia Miranda.
Nos últimos 15 anos, o país avançou na criação de unidades de AVC e na oferta de trombólise e trombectomia pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ainda assim, o mapa da assistência é desigual:
“Há regiões inteiras sem hospitais habilitados para trombólise. No Norte, não há nenhum centro público com o serviço, e em estados populosos como Rio de Janeiro e Minas Gerais, a trombectomia ainda não está disponível 24 horas”, diz a neurologista.
Ela reforça que reconhecer o AVC rapidamente é essencial. O acrônimo SAMU ajuda a identificar os sinais:
S de sorriso torto.
A de abraço fraco.
M de música ou fala enrolada.
U de urgência — ligar para o 192.
Cada hora de atraso no atendimento aumenta em 10% o risco de morte.
Alzheimer: envelhecimento acelerado e estrutura insuficiente
O envelhecimento populacional rápido é o principal motor do aumento dos casos de Alzheimer, afirma a neurologista Elisa de Paula França Resende, coordenadora do Departamento de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da ABN.
“O que a França levou cem anos para envelhecer, o Brasil está fazendo em dez — e não estamos preparados para lidar com isso”, diz.
A doença de Alzheimer tem como principal fator de risco a idade, mas o cenário brasileiro adiciona outros agravantes: baixa escolaridade, hipertensão, diabetes, depressão e isolamento social.
“Temos um Plano Nacional de Demências aprovado, mas ele ainda não saiu do papel. Precisamos de integração entre saúde, educação e assistência social — o idoso precisa de calçadas seguras, parques e centros de convivência, não só de remédio”, destaca Resende.
Segundo ela, há avanços promissores em biomarcadores plasmáticos, exames de sangue capazes de identificar alterações típicas do Alzheimer, e nas novas terapias anti-amiloide, recentemente aprovadas no Brasil.
“Essas drogas não são uma cura, mas abrem caminho para tratamentos mais seguros no futuro”, explica.
Ainda assim, o país está longe de estar preparado: faltam capacitação de médicos, centros de referência e equipes multidisciplinares de reabilitação cognitiva.
Enxaqueca: a segunda causa de incapacidade no mundo
Entre as doenças neurológicas, a enxaqueca se destaca por sua prevalência e invisibilidade.
De acordo com a neurologista Renata Londero, coordenadora do Departamento Científico de Cefaleia da ABN, o alerta da OMS tem relação direta com o levantamento Global Burden of Disease, que colocou a enxaqueca como a segunda causa de incapacidade global, atrás apenas da dor lombar.
“Durante muito tempo se acreditou que era só uma dor de cabeça. Mas é uma doença neurológica incapacitante, que afeta 15% da população — especialmente mulheres”, explica Londero.
arte enxaqueca x cefaleia
Raimundo Brito, neurologista do HI e membro da Sociedade Brasileira de Cefaleia/Arte g1
A falta de acesso a tratamento é outro ponto crítico: os medicamentos modernos, como anticorpos monoclonais e triptanos, não estão disponíveis no SUS nem no rol da ANS.
“O paciente que precisa dessas terapias acaba recorrendo à Justiça. Essa desigualdade é enorme”, diz.
Ela destaca ainda a importância do manejo correto já na atenção básica:
“Quem tem mais de três dias de dor de cabeça por mês deve buscar ajuda médica. Usar analgésico em excesso piora a doença. E tratar precocemente muda completamente a qualidade de vida”.
Um desafio global e nacional
O relatório da OMS alerta que menos de um terço dos países possuem políticas públicas voltadas às doenças neurológicas. No Brasil, apesar de avanços pontuais, o abismo entre o sistema público e o privado ainda é grande.
“Precisamos tratar o cérebro com a mesma urgência com que tratamos o coração”, resume Maramélia Miranda.
“As doenças neurológicas já são o maior desafio sanitário do século, e enfrentá-las exige redes estruturadas, prevenção e acesso real ao cuidado.”
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