Nobel de medicina dá prémio a descobertas sobre o sistema imunológico
O japonês Shimon Sakaguchi ainda parecia incrédulo quando entrou na sala de conferências da Universidade de Osaka, nesta segunda-feira (6). A notícia de que havia vencido o Prêmio Nobel de Medicina de 2025 chegara há poucas horas. Diante dos repórteres, o cientista se curvou, recebeu flores e resumiu o sentimento:
“Posso chamar de uma surpresa agradável. É a melhor forma de colocar. Embora eu acreditasse que nossa pesquisa pudesse ser útil às pessoas e à prática clínica — e que, com mais desenvolvimento, algum reconhecimento pudesse vir —, receber uma honra como essa neste momento é, ao mesmo tempo, surpreendente e uma grande honra.”
A consagração veio quatro décadas depois de Sakaguchi identificar um grupo de células que mudaria a compreensão da imunologia: as células T reguladoras (Treg). Elas funcionam como uma espécie de “freio” do sistema imunológico — controlando a intensidade das respostas de defesa e evitando que o corpo destrua seus próprios tecidos.
“Minha pesquisa tem se concentrado em como regular negativamente ou suprimir respostas imunológicas. Entender esse mecanismo é crucial, porque quando o sistema imunológico ataca o próprio corpo, surgem doenças como artrite reumatoide ou diabetes tipo 1. Isso conecta o nosso trabalho à possibilidade de tratar e prevenir essas condições”, explicou o cientista.
A descoberta, publicada originalmente nos anos 1990, introduziu o conceito de tolerância imunológica periférica — a capacidade de o organismo reconhecer o que é “si mesmo” e o que é “estranho”.
Até então, acreditava-se que essa seleção ocorria apenas no timo, o órgão onde as células T são “educadas” durante o desenvolvimento. Sakaguchi mostrou que o controle continua mesmo depois que elas saem de lá.
Durante a entrevista, Sakaguchi destacou como o entendimento dessa regulação também ajudou a compreender fenômenos clínicos aparentemente distintos, como rejeição de transplantes e doenças autoimunes.
“Nos transplantes de órgãos, o principal problema é a rejeição. O corpo pode reconhecer o órgão doado como seu e suprimir a resposta imune. Isso torna a imunossupressão essencial. As células T reguladoras também têm papel nessa supressão, contribuindo para tornar o transplante mais estável e seguro”, afirmou.
Hoje professor na Universidade de Osaka, Sakaguchi diz que o trabalho foi um esforço longo e coletivo.
“Foram 40 anos de pesquisa, de tentar entender um equilíbrio muito fino — o que faz o sistema imune nos proteger, mas também saber parar. Espero que possamos continuar a transformar o que aprendemos sobre tolerância imunológica em algo que beneficie as pessoas, de forma segura e eficaz”, disse. “Entender como o corpo se controla é entender a essência da imunidade.”
O imunologista japonês Shimon Sakaguchi recebe flores após vencer o Nobel de Medicina de 2025, em Osaka.
Kyodo/Reuters
Como a descoberta da tolerância imunológica mudou a medicina
O Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2025 foi concedido a Shimon Sakaguchi, da Universidade de Osaka (Japão), e aos norte-americanos Mary Brunkow e Fred Ramsdell, por desvendar o papel das células T reguladoras na chamada tolerância imunológica — o mecanismo que impede o sistema de defesa do corpo de atacar seus próprios tecidos.
O trabalho do trio revelou, pela primeira vez, que o organismo tem um sistema ativo de controle sobre suas reações imunes. As células T reguladoras (Treg) atuam como uma patrulha que mantém o equilíbrio: elas limitam as respostas de defesa depois que a ameaça é neutralizada e evitam ataques indevidos a tecidos saudáveis.
Até a década de 1980, a medicina acreditava que o “aprendizado” imunológico terminava no timo — uma espécie de escola de células de defesa que ensina o que deve ser reconhecido como próprio. Sakaguchi demonstrou que essa vigilância continua ao longo da vida, por meio de células especializadas que circulam na periferia do organismo, garantindo o chamado equilíbrio imunológico.
Vencedores do Nobel da Medicina Mary E. Brunkow, Fred Ramsdell and Shimon Sakaguchi
Reprodução/Nobel Prize
Esse conceito foi decisivo para compreender a origem de doenças autoimunes, como lúpus, artrite reumatoide e diabetes tipo 1, nas quais o sistema imune perde a capacidade de distinguir entre invasores e células do próprio corpo. Também ajudou a explicar fenômenos clínicos complexos, como rejeição de órgãos transplantados e intolerâncias crônicas.
Desde então, as Treg se tornaram alvo de centenas de pesquisas no mundo. Elas estão por trás de novas estratégias de imunossupressão em transplantes, de terapias biológicas para doenças autoimunes e de estudos que tentam modular a imunidade de forma mais precisa e menos tóxica.
Segundo o Comitê do Nobel, sediado no Instituto Karolinska, na Suécia, a descoberta “lançou as bases para uma nova área da imunologia e abriu caminho para tratamentos inovadores que buscam restaurar o equilíbrio do sistema imune”. O prêmio inclui uma medalha de ouro e o equivalente a US$ 1,2 milhão (11 milhões de coroas suecas).
Aos 74 anos, Sakaguchi mantém o mesmo foco de quando iniciou suas pesquisas.
“O sistema imunológico é a essência da vida”, costuma repetir. E, nesta semana, o mundo da ciência reconheceu que entender o que o faz parar foi tão importante quanto compreender o que o faz agir.
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'Entender como o corpo se controla é a essência da imunidade', diz Shimon Sakaguchi, vencedor do Nobel de Medicina
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