Quais são os sintomas da intoxicação causada por metanol em bebidas alcoólicas adulteradas
Não adianta cheirar, provar ou observar a garrafa: o metanol não se distingue do álcool comum e só pode ser detectado em testes de laboratório. Essa “camuflagem” faz com que seja chamado de “substância traiçoeira” — perigosa justamente por enganar os sentidos e provocar sequelas graves mesmo em pequenas quantidades.
Especialistas ouvidos pelo g1 explicam que a substância não apresenta diferença de sabor, cor ou textura. Ela passa totalmente despercebida pelo paladar e se dissolve muito bem em água e em álcool etílico.
Tóxico apenas após metabolizado
📋 A toxicidade do metanol aparece apenas pós o fígado processar a substância. No organismo, a enzima álcool desidrogenase (ADH) transforma o metanol em formaldeído, um composto altamente reativo. Em seguida, esse formaldeído é convertido em ácido fórmico, que se acumula no sangue.
O ácido fórmico é o principal responsável pela acidose metabólica severa (quando o sangue fica excessivamente ácido) e pelos danos às mitocôndrias, prejudicando a produção de energia das células. É ele também que ataca diretamente o nervo óptico, podendo causar cegueira, e que compromete órgãos vitais, como rins, pulmões e cérebro.
Para piorar, o início da intoxicação é muito parecido com os sinais de uma bebedeira ou ressaca causada pelo álcool etílico tradicional. Apenas sintomas de visão turva e dor abdominal não são comuns em casos de embriaguez. Por isso, no caso desses sintomas desproporcionais, o indivíduo já pode procurar uma emergência o mais breve possível.
A intoxicação por metanol não pode ser tratada em casa e, quanto antes for feito o diagnóstico e o tratamento, maiores são as chances de sobreviver. Mas sequelas como cegueira podem ser permanentes, até mesmo em casos de baixa concentração.
“Substância traiçoeira”, diz médico toxicologista
O médico toxicologista, patologista clínico e presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), Alvaro Pulchinelli, lembra que, infelizmente não é possível, antes de ingerir uma bebida, desconfiar se ela tem metanol ou não.
“O metanol é uma substância traiçoeira. Ele não tem um cheiro característico, um odor que possa ser identificado ou um gosto repugnante ou forte, que possa afastar a pessoa. A gente só vai perceber mesmo quando apresenta sinais e sintomas químicos”, explica Pulchinelli.
Dicas para o consumo seguro de bebidas alcoólicas
Entre os casos atuais de intoxicação por metanol em São Paulo, há situações de pessoas que consumiram bebidas em bares, mas também de vítimas que compraram bebidas em adegas e consumiram em casa.
Confira as orientações das autoridades em saúde e da polícia, enquanto as investigações estão em andamento:
Exija nota fiscal: o documento tem informações de identificação do fornecedor e ajuda na rastreabilidade do produto, sendo uma garantia para o consumidor em eventual reclamação;
Desconfie de preços muito baixos;
Procure estabelecimentos conhecidos;
Atenção às embalagens (confira se estão lacradas);
Não reutilize garrafas.
Sintomas da intoxicação por metanol
Os sintomas de alerta costumam aparecer entre 10 e 12 horas após a ingestão, mas podem surgir em até 48 horas após o consumo. Se o diagnóstico correto e o atendimento adequado não forem feitos rapidamente, a mortalidade pode ser superior a 50%. Se o socorro for rápido, a mortalidade pode ser de menos de 10%, explica a médica intensivista, emergencista e presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, Patrícia Mello.
Arte g1
Sintomas e ação
O primeiro órgão a ser atingido é o fígado, que transforma o metanol em outras substâncias que atingem a medula e o cérebro, provocando os sintomas. O sangue fica ácido e o nervo óptico também pode sofrer lesões. O metanol provoca ainda insuficiência pulmonar e ataca os rins.
Nas primeiras 10 ou até 12 horas, os sintomas podem até se parecer com as consequências de uma embriaguez normal. Por isso, se os efeitos persistem ou se agravam, é preciso suspeitar da intoxicação. Se perceber visão borrada ou turva mesmo em período menor, já é possível suspeitar de intoxicação e procurar quanto antes a emergência.
Entre os sintomas iniciais da intoxicação por metanol, estão:
Dor de cabeça intensa;
Alterações de consciência;
Náusea;
Dor abdominal;
Vômito;
Vertigem;
Sintomas visuais como a visão borrada, fotofobia, escotoma (ponto cego ou mancha escura) e até a perda súbita da visão
Se a ingestão for muito intensa e muito rápida, o indivíduo pode evoluir rapidamente para um coma.
Se o paciente tiver histórico de ingestão de bebida ou de alguma fonte duvidosa de algum líquido, deve relatar, para que o médico suspeite da intoxicação.
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O atendimento de emergência hospitalar
Na emergência, além dos atendimentos de suporte para casos de convulsão ou falta de oxigenação, a equipe médica deve solicitar exames de sangue que auxiliem na confirmação diagnóstica e que não fazem parte da rotina, em geral, segundo a médica intensivista Patrícia Mello. Esses exames devem incluir pedidos de gasometria (para identificar a acidose metabólica grave), osmolaridade sérica (para pesquisar o gap osmolar) e nível sérico do metanol (para medir a proporção da contaminação).
Um nível sérico muito alto de metanol – acima de 50 miligramas por decilitro – é associado a um prognóstico pior, segundo Mello.
Após a confirmação de intoxicação, o paciente costuma precisar passar por hemodiálise, para que a substância tóxica presente no sangue seja filtrada, antes de voltar ao organismo.
Além disso, ele pode precisar receber oxigênio, soro, ácido fólico e etanol venoso ou oral, que faz uma espécie de “neutralização” do efeito do metanol no corpo. Em outros países, em vez do etanol, o paciente recebe um antídoto chamado fomepizol, que não existe no Brasil, e tem o mesmo efeito.
O hepatologista e professor titular de gastro-hepatologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, Raymundo Paraná, explica como o etanol vira um “antídoto” para tratar o paciente.
“Quando você usa o etanol (álcool), que é menos tóxico que o metanol, você acaba competindo com a via de metabolização da álcool desidrogenase (ADH) e passa a formar menos formaldeído a partir do metanol, permitindo que o metanol seja excretado na urina. Na hora que a gente usa o etanol, a gente desvia essa via, reduz a metabolização do metanol, permitindo que ele continue sendo excretado na urina na sua forma normal, sem se transformar no metabólito tóxico”, diz.
🛢️O metanol (CH₃OH) é uma substância altamente inflamável, tóxica e de difícil identificação. O produto é um tipo de álcool simples, incolor e inflamável, com cheiro semelhante ao da bebida comum. Ele já foi chamado de “álcool da madeira”, porque era obtido pela destilação de toras. Hoje, sua produção industrial é feita principalmente a partir do gás natural.
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