Exame pode ser feito em bebês de 14 a 30 meses nos Estados Unidos
reprodução Fantástico
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem origem genética e envolve déficits na comunicação e na interação social. O diagnóstico é clínico e, geralmente, envolve uma equipe multidisciplinar — com pediatras, psicólogos e neurologistas. E, entre as novas formas de avaliação que estão sendo testadas, está um método de rastreamento ocular em bebês.
O método, aprovado nos Estados Unidos em agosto de 2023, pode revolucionar o diagnóstico precoce do autismo. Nele, os olhos das crianças são monitorados 120 vezes por segundo, enquanto elas assistem a vídeos de outras crianças interagindo e o resultado pode sair em apenas 15 minutos.
O estudo do rastreamento ocular é conduzido pelo brasileiro Ami Klin, diretor do principal centro de tratamento de autismo dos EUA, localizado em Atlanta.
O exame, por enquanto, é aplicado em crianças entre 1 ano e 4 meses e 2 anos e meio, e é prevista a aprovação do exame para crianças de até 8 anos no primeiro semestre de 2026.
Ainda não há previsão para que a tecnologia chegue ao Brasil e seu uso depende da aprovação dos órgãos regulatórios nacionais.
Klin explicou ao g1 que seguradoras de saúde geralmente exigem um procedimento referente ao histórico médico e de desenvolvimento da criança, feito na forma de uma entrevista clínica com os pais e observações diretas da criança.
“Como qualquer ferramenta médica regulamentada pelo FDA, a ideia não é que o método EarliPoint substitua o exame clínico, pelo contrário, já que o diagnóstico de autismo exige o apoio a família para fazer os próprios passos em rumo ao tratamento”, disse Klin.
O médico explicou ainda que o processo diagnóstico atual leva de 6 a 10 horas, requer um clínico especializado trabalhando em um centro especializado, com listas de espera típicas de 1 a 2 anos.
“O processo do Earlipoint leva de 6 a 12 minutos com resultados em 15 minutos, livrando o clínico para aproveitar o tempo para falar com os pais, em vez de passar horas aplicando outros testes. A ideia não é acrescentar ainda mais um processo a um processo que já demora muito, mas sim transformar esse processo em algo mais objetivo, mais barato, mais acessível”, afirmou.
O diagnóstico tradicional e alertas
No Brasil, o diagnóstico do autismo costuma ser feito a partir dos 18 meses. A partir dos três anos, ele tem uma validade maior, segundo o psiquiatra de crianças e adolescentes e professor de psiquiatria da USP Guilherme Polanczyk.
“Um profissional bem treinado frente a uma criança com sintomas clássicos pode ficar confiante em estabelecer diagnóstico aos 14 meses, mas para profissionais não tão bem treinados e para crianças não tão clássicas, 18 meses ainda é um bom limite inferior”, explica o médico.
O diagnóstico envolve o exame direto, através de uma avaliação direta do médico com a criança, testes padronizados, a história do desenvolvimento da criança relatada pelos pais e muitas vezes por outros informantes também.
Polanczyk explicou ao g1 que a comunidade médica defende a necessidade de outros biomarcadores para o diagnóstico do autismo.
Ele comenta ainda que a possibilidade de avaliar o risco genético de cada indivíduo e o quanto isso contribui para o diagnóstico provavelmente é um biomarcador com mais potencial do que o contato ocular. Além disso, as tecnologias de inteligência artificial, que permitem lidar com muitos dados certamente vão contribuir mais para um diagnóstico mais preciso.
“A falta do contato ocular é um marcador muito frequente em crianças com autismo. Muitas vezes a criança no primeiro ano olha nos olhos, mas a partir de um determinado momento, esse olhar no olho fica cada vez menos frequente. Depois, isso é um alvo de tratamento e as pessoas podem desenvolver melhor essa habilidade”, diz o médico.
Mas como o autismo é muito heterogêneo, há pessoas que desde cedo não tinham contato ocular, outras que tinham e depois perderam e outras que sempre mantiveram.
Polanczyk explica ainda que o fato de o novo método de diagnóstico aprovado nos EUA ter sido avaliado numa amostra específica e num determinado contexto é o início de um processo que vai precisar ser validado em outros contextos, com outras populações.
“Será preciso entender, por exemplo, como esse marcador funciona em população com autismo e TDAH, com autismo e dificuldades sensoriais ou só com dificuldades sensoriais. Enfim, tem um processo de validação do biomarcador que exige vários estudos. A gente não tem essa expectativa de que um único marcador seja possível para o diagnóstico de algo tão complexo e tão heterogêneo”, afirma.
O médico comenta que não são 100% das pessoas com autismo que têm prejuízos de contato ocular, por exemplo. Muitas vezes, outras questões fazem com que alguém não tenha o contato ocular.
Polanczyk acrescenta ainda que a comunidade médica tem ainda toda uma preocupação de oferecer tratamento e intervenções para quem tem o diagnóstico.
“Uma disseminação de uma ferramenta de diagnóstico de uma forma ampla na comunidade, sem que isso venha acompanhado de um treinamento maior dos profissionais, de intervenções adequadas para essas crianças com autismo ou outras condições pode ter um potencial de causar dano”, explica.
Saiba mais sobre o autismo
O neuropediatra Carlos Gadia, especialista no tema, conversou com o Bem-Estar e explicou os sinais do TEA. Ele ressaltou que a ideia de que cada criança se desenvolve ao seu tempo é válida dentro dos limites da normalidade:
“A gente sabe que tem crianças que começam a falar com sete ou oito meses e outras que começam a falar com 16 meses. Mas uma criança com 3 anos que não está se comunicando é sempre anormal”, afirma.
Segundo o médico, é preciso investigar casos em que crianças de 12 meses ainda não dão tchauzinho, não respondem quando chamadas pelo nome ou não sorriem. O mesmo vale para crianças que, em qualquer idade, apresentem regressão — ou seja, percam habilidades que já haviam adquirido.
A base do tratamento para o TEA envolve intervenções comportamentais e fonoaudiológicas, com foco no desenvolvimento da linguagem.
Gadia reforça que os pais e familiares têm papel essencial no tratamento e alerta contra a ideia de que há um “prazo de validade” para o desenvolvimento:
“Nada vai acontecer sem a participação da família. Não aceitem nenhum tipo de terapia nas quais elas sejam relegadas ao papel de espectador — do tipo: eu pego meu filho, deixo lá e vou embora. E essa ideia de que, em algum momento, as janelas de desenvolvimento do cérebro se fecham e não adianta mais fazer nada é absolutamente errada.”
O SUS oferece atendimento a pessoas com Transtorno do Espectro Autista por meio da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência, que conta com 577 unidades em todo o país.
Uma pesquisa do IBGE mostrou que 2,4 milhões de pessoas foram diagnosticadas com TEA no Brasil — o equivalente a pouco mais de 1% da população.
Já entre as crianças, dados de pesquisadores americanos indicam que uma a cada 31 vive com o transtorno do desenvolvimento.
Ami Klin é o diretor do principal centro de tratamento de autismo dos EUA, localizado em Atlanta, e responsável pelo exame que usa rastreamento ocular em bebês para diagnosticar autismo em até 15 minutos
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